A proposta de plantio de 300 mil hectares de arroz
no Marajó exige amplo debate público sobre o tema, em vista do grande impacto
que esta intervenção enseja. A chegada dos arrozeiros nos campos do Marajó se
constitui, provavelmente, na maior tragédia socioambiental desde a expulsão da
Igreja Católica da ilha no século XVIII. Quem ama o Marajó está muito
preocupado com seu futuro.
Vale lembrar que estes arrozeiros foram expulsos da
Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, por decisão do Superior
Tribunal Federal – STF, por plantarem ilegalmente em terras indígenas (terras
públicas federais).
É urgente a realização de audiências publicas nos
municípios impactados, a se iniciar por Cachoeira do Arari e Salvaterra, bem
como audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Entre as
principais temáticas a tratar estão:
Questões sociais e culturais
o Saúde humana – o uso de agrotóxicos em larga
escala, especialmente aqueles lançados por aviões que passam sobre o núcleo
urbano de Cachoeira do Arari, constitui-se em forte ameaça, especialmente aos
mais frágeis – crianças e idosos;
o Agravamento de risco de doenças – a presença de
grandes áreas inundadas, inclusive em períodos de seca, no entorno do núcleo
urbano de Cachoeira do Arari, poderá resultar em aumento substancial de insetos
transmissores de doenças tropicais (dengue e malária, principalmente), o que
precisa ser monitorado;
o Exclusão da participação local – A comunidade
local está totalmente excluída. Os moradores da sede de Cachoeira do Arari e
entorno das fazendas de arrozeiros são afetados diretamente pelos empreendimentos
e ninguém os ouviu!
o Acesso viário – uma comunidade como a de Cuieira
ficou rodeada, até sem a passagem para ir ao núcleo urbano. A se aumentar a
área de plantio este fato se sucederá para outras comunidades;
o Comunidades Quilombolas – qualquer empreendimento
de grande porte precisa ouvir as comunidades quilombolas do entorno, como a de
Gurupá, em Cachoeira do Arari;
o Patrimônio imaterial – reiteradas denúncias
alertam para mudanças substantivas nas tradições locais, como o impedimento de
tradições que passavam pelas fazendas hoje em posse de arrozeiros,
especialmente da festividade do Glorioso São Sebastião. Empreendimentos de
grande porte exigem inventário do patrimônio imaterial;
o Patrimônio arqueológico – por lei, qualquer
intervenção de grande porte precisa ser precedida de estudo sobre a existência
de patrimônio arqueológico. Ora, sabe-se muito bem, que esta região do Marajó é
considerada como uma das que possui maior patrimônio de artefatos de cerâmica
do Brasil.
Questões ambientais
o Espécies ameaçadas – inexistem estudos sobre o
impacto do empreendimento sobre espécies de plantas e animais consideradas
ameaçadas pela legislação estadual e federal. Preocupa, por exemplo, a
existência de uma espécie endêmica de arroz silvestre, que poderá ser ameaçada
pela expansão do plantio de arroz industrial;
o Inexistência de EIA-RIMA – intervenção de tamanha
magnitude deveria contemplar Estudo de Impacto Ambiental & Relatório de
Impacto Ambiental, inclusive com audiências públicas e exaustivos estudos
socioambientais. Nada disto foi feito!
o Licenças ambientais insuficientes – a licença
ambiental concedida pela Secretaria de Meio Ambiente de Estado em setembro de
2010, tratou apenas de um canal e não do empreendimento como um todo. Além
disto, definia o monitoramento e a apresentação de relatórios sobre a qualidade
da água, o que não foi realizado;
o Modificação da paisagem – ainda que o búfalo e o
boi causem enorme impacto, a dimensão da intervenção do plantio de arroz
altera, completamente, a paisagem, desviando rios, encharcando vastas,
promovendo o desmatamento, com a comprovada derrubada de árvores frutíferas
entre outros;
o Acesso à água – ao criar canais artificiais,
bombear água do leito de rios em vultosos volumes (que não são medidos) e
desviar cursos d’água, a dinâmica natural dos campos do Marajó se modifica, e o
próprio acesso a água também. E isto não é devidamente avaliado e monitorado,
por meio de testes físico-químicos, como a própria licença concedida pela SEMA
exige;
o Poluição da água – a presença de agrotóxicos, o
aumento do risco de vazamento de combustíveis e mesmo a modificação da
quantidade de oxigênio e de matéria orgânica, da mesma maneira, exige
monitoramento e avaliação, uma vez que pode afetar a água que pessoas e animais
bebem, e apresentar impacto relacionado à segurança alimentar, principalmente
para a pesca de subsistência.
o APA do Marajó – ainda que sem seu plano de
manejo, a Área de Proteção Ambiental do Marajó, como determina o SNUC – Sistema
Nacional de Unidades de Conservação, exige o licenciamento dos empreendimentos
de grande porte;
Questão fundiária
o Cidade sitiada – o núcleo urbano de Cachoeira de
Arari está cercado, o que impede a sua expansão natural. Cachoeira já estava
encurralada, e hoje, praticamente, é uma cidade entre uma fazenda e o rio, é
como o homem com as algemas, não pode se mexer.
o Terras públicas x privadas – numa região do
Marajó em que a titularidade das terras não está definida, por se tratar de
áreas inundáveis, é preciso primeiro definir a propriedade das terras, bem como
realizar o zoneamento econômico-ecológico para determinar que áreas podem ser
utilizadas e sob que condições.
Questões econômicas
A Geração de emprego e migração – o plantio de
arroz gera poucos empregos. Atualmente, a maioria é ocupada por migrantes
trazidos pelos empreendedores de fora. Com a expansão da rizicultura haverá
forte migração para a região, como ocorre em outros grandes empreendimentos na
Amazônia. De que maneira isto agravará a exclusão do marajoara do emprego formal
oferecido?
o Distribuição de renda – o modelo de negócio
apresentado pelos arrozeiros pouco contribui ao processo de inclusão dos mais
pobres da região, ou seja, a maioria dos marajoaras;
o Impacto na infraestrutura viária – as precárias
estradas entre Cachoeira do Arari e os portos em uso recebem um tráfego
crescente de caminhões articulados de grande porte, afetando a qualidade das
estradas, especialmente de suas pontes e passagens, bem como o uso das balsas e
prejudicando ainda mais a população, que dispõe de um acesso precário;
o Geração de impostos locais – o produto sai in
natura, para ser processado em outras localidades, o que significa baixa
capacidade de geração de tributos para a localidade. Além disto, se os ônus
relacionados aos arrozeiros estão claros, os benefícios tributários para a
receita municipal não o estão;
o Promoção dos produtos locais – diferentemente de
outros empreendimentos, os arrozeiros pouco adquirem ou gastam no mercado
local, impossibilitando que a economia local se beneficie de sua presença;
O que nos preocupa, mais que tudo, é que os
Maroajaras não estão sendo ouvidos, não participam das decisões sobre sua
própria vida e território. Mais uma vez, são os outros que decidem sobre a vida
do Marajoara. Até agora o que se vê são empreendedores de fora, a cercar tudo,
numa postura arrogante, crendo que o dinheiro tudo compra, como se o Marajó
fosse terra sem lei ou rei. Pior, não se preocupam em informar a população
sobre o que se propõem a realizar, que benefícios acreditam serem capazes de
propiciar. Simplesmente, estão desfrutando de um território favorável,
desprotegido, e tirando todo o benefício sem que a população dele participe.
O Arroz do planeta inteiro não vale a saúde de uma
pessoa.É neste sentido que reiteramos a urgência de promover debates públicos
em Cachoeira do Arari e nos municípios vizinhos, bem como realizar uma
audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Pará, para discutir o
impacto do plantio de arroz na vida dos Marajoaras.
* Alessio Saccardo, SJ, Bispo da Prelazia de Ponta
de Pedras Assunção Novaes (Cacau), coordenador do Conselho de Desenvolvimento
Territorial do Marajó – CODETEM. Ima Célia Guimarães Vieira,
pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi. João Meirelles Filho,
Diretor, Instituto Peabiru, Programa Viva Marajó. Assunção Novaes (Cacau), coordenador do Conselho
de Desenvolvimento Territorial do Marajó – CODETEM
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