Vera Lúcia Mendes Portal
O
município de Cachoeira do Arari está localizado na região dos campos, na parte
leste da ilha de Marajó. Cachoeira do Arari é uma pequena e pacata cidade
marajoara que, apesar da sua simplicidade, possui um valioso patrimônio
histórico-cultural. As belezas naturais dos campos e dos rios encantam os
visitantes, que para lá se deslocam para conhecer um pouco mais da sua história
– passada e presente - na exposição do Museu do Marajó.
Antes de ser
desta forma como conhecemos hoje, Cachoeira (como a chamamos) era bem
diferente. No período anterior à chegada dos portugueses, a região foi ocupada
por várias populações indígenas que ali
deixaram suas marcas. Encontra-se pelos campos esses vestígios a que chamamos de sítios arqueológicos; são grandes
colinas de terra recheadas de cerâmicas antigas,
restos de objetos confeccionados e utilizados por essas populações no passado.
Essas colinas ou aterros são chamados de
tesos, e foram construídos por povos indígenas muito criativos e responsáveis pela confecção de materiais
cerâmicos de rara beleza.
O patrimônio
histórico-cultural de Cachoeira, entretanto, não se faz apenas da herança
indígena, mas também de edificações de valor histórico. Destacamos alguns
exemplos dos bens culturais do município: Antigo Internato do Marajó - prédio
construído em 1940 era o local onde moravam os filhos dos vaqueiros que vinham
à Cachoeira para estudar. Atualmente, neste local, funciona a Escola de Ensino
Fundamental José Rodrigues Viana.
Centro Cultural Maria
das Graças Moreira Neves - onde funciona a Biblioteca Municipal.
Marco do
Sesquicentenário da cidade, erguido em 1983, monumento em forma de arco com
decoração em estilo marajoara.
Residência do
escritor Dalcídio Jurandir - casa de madeira que serviu de moradia para o
célebre escritor romancista paraense, autor de muitas obras literárias, como
“Chove nos Campos de Cachoeira”.
O Museu do Marajó,
que abriga uma exposição permanente que conta um pouco da história do município
e do Marajó.
Giovanni Gallo e a trajetória do Museu do
Marajó
O Museu do Marajó foi
criado por Giovanni Gallo, padre jesuíta italiano nascido em Turim, que se
naturalizou brasileiro. Giovanni Gallo, após anos de estudo, foi nomeado
sacerdote da companhia de Jesus, iniciando sua atividade sacerdotal em 1956, na
Espanha, aos 29 anos de idade. Depois de algum tempo de trabalho, foi
transferido para a Ilha da Sardenha, na Itália. Em
1962, padre Gallo foi
enviado à Suíça Alemã, onde ficou durante oito anos, vindo para o Brasil, em
1970.
Depois de ficar por
dois anos em São Luís, no Maranhão, em 1972, Giovanni Gallo chega ao Marajó,
fixando-se, inicialmente, em Santa Cruz do Arari, lugar onde aos poucos começou
a construir o Museu do Marajó. Um dia Gallo recebeu de um morador alguns
“cacos” de cerâmica e principiou então a coletar objetos e utensílios de vários
tipos e idades, visando à formação de um acervo, enriquecido graças às
crescentes doações. Assim, de uma forma bem simples, em 1972, na cidade de
Santa Cruz do Arari, nasceu o Museu do Marajó.
Ao tomar a atitude de
criar um museu, Giovanni Gallo tinha como objetivo contribuir para o
desenvolvimento da cidade por meio da cultura e tornar a comunidade parceira de
seus projetos.
Como bem explica o idealizador
do Museu, sua meta era fundar um estabelecimento que despertasse e incentivasse
o interesse pelo estudo na comunidade local:
“Nos meus planos,
este museu teria a missão de resgatar e conservar a nossa história,
ajudando-nos a valorizar nossa identidade e, ao mesmo tempo, incentivando na
comunidade o interesse para o progresso intelectual”.
“Um museu que tivesse
como objetivo de pesquisa não só as coisas isoladas e sim as coisas no seu
contexto cultural, em última analise o homem marajoara”.
“Desta forma, um
empreendimento tipicamente intelectual se transformaria em pólo de
desenvolvimento social”.
Assim, no dia 16 de
dezembro de 1981, no município de Santa Cruz do Arari, foi fundada uma
associação com o nome de “Nosso Museu de Santa Cruz do Arari”.
Depois de desavenças
políticas entre o padre e autoridades municipais de Santa Cruz, que tornaram
insustentável a presença do Museu naquele município, uma Assembleia realizada
entre os sócios, no dia 14 de julho de 1983, decidiu por mudar o Museu, e todo
o acervo já constituído, para Cachoeira do Arari. Nesta mesma Assembléia, um
novo nome foi dado ao Museu, que doravante passaria a chamar-se “O Museu do
Marajó”. O motivo da mudança do Museu do Marajó foi a oposição política que o
prefeito da localidade, Eurípides Filho, movia contra o projeto de Giovanni
Gallo. A instituição Museu do Marajó, já instalada em Cachoeira do Arari, foi
aberta ao público em 8 de dezembro de 1984, enquanto continuavam os serviços de
recuperação e instalação do novo prédio.
Ao chegar a
Cachoeira, Gallo teve de começar da “estaca zero”, pois durante a mudança
muitas peças foram perdidas ou danificadas. Na busca de um local para instalar
o acervo do Museu do Marajó, o padre resgatou a dívida de uma antiga fábrica de
óleo chamada OLEICA, perante BASA, com o dinheiro que havia arrecadado com a
venda do prédio do Museu em Santa Cruz do Arari. A Oleica havia falido e o
prédio estava abandonado e em péssimas condições para o uso. A Prefeitura
Municipal de Cachoeira do Arari, através do então prefeito Edir de Souza Neves,
doou uma área bem próxima ao prédio do Museu, terreno onde estão localizados
outros espaços que fazem parte do conjunto de edificações do museu.
O
Museu do Marajó e sua exposição permanente
O Museu do Marajó
fica localizado na Avenida do Museu, bem no centro da cidade, nas proximidades
do Mercado Municipal, do Comando da Policia Militar, da Agência do Correio, da
Câmara dos Vereadores, da Prefeitura Municipal, da praça e do trapiche de onde
ficam os barcos que fazem viagem com destino à Belém. O Museu nasceu de forma
simples e com muitas dificuldades; no entanto, Giovanni Gallo, com apoio dos
sócios e da prefeitura Municipal de Cachoeira do Arari conseguiu ajuda
financeira para a melhoria e a instalação de espaços que hoje o constituem. Em
2003, o Padre Giovanni Gallo veio a falecer e o Museu ficou sob a gestão do
presidente da Associação.
O Museu do Marajó
oferece diversas atividades para a comunidade. A área da exposição permanente
mede cerca de 1.000 m2. O prédio é de alvenaria e, além da exposição, ainda
comporta uma sala de palestra e uma biblioteca. Na área externa ao prédio há um
terreno arborizado, a reserva técnica, a Casa do Ribeirinho, a residência e o
túmulo de Giovanni Gallo. Ao lado do Museu localizam-se os banheiros de uso
público e o barracão da oficina cerâmica. Em frente ao Museu do Marajó há
outros espaços que fazem parte de seu conjunto: a Fazendola, a Escola Oficina e
a Capela de São Pedro.
A reserva técnica foi
inaugurada em 2008, tendo sido construída com patrocínio da Petrobrás, e serve
para a limpeza e a guarda adequada do material arqueológico. A Casa do
Ribeirinho
Marajoara é feita de
taboca e coberta de palha, bem simples, mas representativa do estilo de moradia
local. A Fazendola é um espaço destinado às reuniões com a comunidade e sempre abriga
grupos que vão à cidade. Recentemente, quando as enchentes de 2009 afetaram as populações
do bairro do Choque, os desabrigados foram alojados ali. A Capela de São Pedro
é feita de madeira e servia para Giovanni Gallo celebrar suas missas. Com a
renúncia ao sacerdócio, novas funções foram dadas a esse espaço, dividindo-se
em três partes: a Escola de Informática, a Sala de Corte e Costura e a
Secretaria do Museu.
A exposição
encontra-se no prédio principal com a seguinte identificação: “Museu do Marajó
– Nosso Museu”. O acervo está disposto em um grande salão e cada exposição é
identificada pelo tema, que se refere às populações marajoaras ou aos seus
antepassados. Partes da exposição são separadas por paredes que são feitas de
taboca - árvore de formato cilíndrico e resistente, contendo objetos dos dois
lados. No centro do salão há uma escada que leva à parte superior onde se vê
outra parte da exposição.
A partir daqui vamos
fazer uma rápida visita ao acervo que está na exposição do Museu do Marajó. Ao
entrar no prédio deparamo-nos com o saguão de visitantes, onde são passados
filmes e feitas palestras; à direita encontra-se o balcão da recepção onde são
vendidos os ingressos para a visita ao acervo. À esquerda de quem entra, está a
porta que leva ao salão da exposição permanente. Ao adentrar o Museu do Marajó,
o visitante já encontra várias vitrines com objetos de cerâmica marajoara, que
formam a exposição de Arqueologia e ocupam boa parte do salão principal. Os
objetos e fragmentos expostos são, em sua maioria, originais; no entanto, a
maioria deles não têm uma etiqueta explicativa com dados referentes à
procedência do material. Além de muitos fragmentos, há nesta exposição urnas
funerárias, tangas, estatueta, pratos, cachimbos, líticos, amoladores
polidores, banquinhos, etc.
O Museu é um espaço
com uma função social e seu objetivo não é apenas a conservação do seu acervo,
mas a constituição de um centro educativo para as crianças, os jovens e a comunidade
local, pretendendo com isso trazer melhorias para a cidade. O Museu do Marajó é
interativo e estimula a curiosidade do visitante, que pode mexer em uma
plaquinha, puxar um fio, rodar uma manivela e assim por diante, tirando dúvidas
e criando outros questionamentos, que o levam a adquirir novos conhecimentos.
Um pouco da história
cachoeirense pode ser encontrada no Museu do Marajó e nos próprios sítios
arqueológicos. Pelo Museu do Marajó, os alunos e a comunidade em geral podem ter
acesso a informações sobre a história da região cachoeirense e participar de
projetos que beneficiam a todos.
A preservação do patrimônio cultural local
Conhecer a história
dos municípios marajoaras não é uma tarefa fácil, porque pouco se conhece e
quase nada se tem escrito a esse respeito. Mas as pesquisas realizadas nos
sítios arqueológicos têm obtido resultados que nos ajudam entender como viviam
essas sociedades, permitindo-nos conhecer um pouco mais da história destas
realidades paraenses.
Cachoeira do Arari é
um desses municípios do chamado Marajó dos Campos, com uma rica história a ser
conhecida e contada. Das pesquisas desenvolvidas na região cachoeirense, as
primeiras ocorreram nos sítios arqueológicos de Camutins e Pacoval, que foram
visitados e explorados por vários cientistas e também muitos curiosos, alguns
dos quais coletaram material arqueológico sem a devida preocupação com seu
registro e procedência. Dentre os arqueólogos que pesquisaram no Marajó podemos
citar: Betty Meggers, Clifford Evans e Peter Paul Hilbert (que estudaram sítios
em Chaves e Ponta de Pedras, no alto rio Anajás), Napoleão Figueiredo, Mário Simões,
Conceição Correa e José Cardoso (que estudaram sítios de Cachoeira do Arari), e
por último Anna Roosevelt e Denise Pahl Schaan (que pesquisaram no alto rio
Anajás, município de Ponta de Pedras, e Cachoeira do Arari).
O patrimônio
histórico, cultural e arqueológico de Cachoeira do Arari e dos Marajós como um
todo deve ser preservado para as futuras gerações. O patrimônio arqueológico é
protegido pela
Lei Federal nº
3.924/61, que proíbe a destruição de sítios arqueológicos e a remoção dos
objetos neles encontrados.
A educação é um
valioso instrumento a ser usado no processo de preservação. As escolas devem
aproveitar o acervo do Museu do Marajó e os sítios arqueológicos para
sensibilizar os alunos quanto à importância do patrimônio local. As visitas ao
Museu do Marajó podem enriquecer o conhecimento, tirar dúvidas e criar outros
questionamentos, capazes de incentivar os alunos na busca por novos conteúdos.
Preservar o
patrimônio de uma cidade ou de um povo pressupõe um exercício constante de
cidadania. Neste caso, mais uma vez entra em cena a educação. É necessário que
as escolas apóiem práticas educativas que estimulem os alunos a conhecer a sua
história local a partir dos bens culturais da cidade. Ao trabalhar em sala de
aula a valorização do patrimônio local e regional, o professor pode
possibilitar aos alunos sentirem-se parte integrante desse processo histórico,
o que facilita a apropriação do patrimônio e a ideia de pertencimento.
A valorização do
patrimônio histórico, cultural e arqueológico a partir da escola deve inspirar
outros municípios detentores de bens culturais, que contem a sua história.
Sabe-se que a valorização dos bens culturais de uma comunidade varia de acordo
com o envolvimento e com o sentimento de pertencimento que as pessoas possam
ter por esses bens. Por isso, é de fundamental importância que as escolas
comecem desde cedo a trabalhar com seus alunos a temática do patrimônio. Isto
ajuda aos alunos perceberem que tudo isso faz parte de uma história em
construção ao longo dos tempos, cujos atores somos todos nós.
O Museu do Marajó,
por ser um espaço que conta e faz parte da cultural material local, deve ser
apropriado pelas escolas cachoeirenses, fazendo a ligação entre passado e
presente da história local. Os museus também devem ser preservados por todos.
Os municípios detentores de um espaço que permita contar a história local, ou
que guarde a sua cultura material, devem incentivar os professores a optarem
por projetos nos quais os alunos tenham contato direto com sua história. Assim,
teremos cidadãos capazes de atuar na preservação de seus bens culturais.